quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Quando a família entra no jogo - Parte III


Minha irmã foi fazer uma arrumação em meu quarto para que estivesse limpinho para me receber quando chegasse do hospital. Ao trocar a roupa de cama achou um dos dois papelotes que dei conta de esconder – sabe-se lá como, em meio àquela situação (ver https://convivendocomadependenciaquimica.blogspot.com.br/2017/10/quando-familia-entra-no-jogo.html) na fronha de um travesseiro.  

Ela não procurava nada, mas ela achou.

Sua conversa comigo foi curta e grossa, ainda no hospital: -Você é adulta e sabe o que faz.     Eu não sabia onde enfiava a cara de vergonha. Certamente, outros membros da família já sabiam do ocorrido, àquela altura. 

Cheguei em casa ainda muito nauseada, tonta e fraca. Ela estabeleceu algumas regras as quais deveria obedecer dali em diante: meus medicamentos não ficariam mais comigo, ela (ou a empregada, ou meu namorado) se responsabilizariam em me dar os remédios e eu sairia de casa apenas acompanhada.

Foi o início da perda – uma das mais valiosas para o indivíduo – de uma capacidade ou direito chamado “autonomia”. Naquele momento eu não sabia, na verdade nem suspeitava, o quanto aquelas atitudes impensadas com resultados desastrosos iriam me custar.

Cocaína, remédios e bebidas alcoólicas eram um problema em minha vida. Eu tinha que reconhecer. E se você não dá conta de manter a “sanidade”, que demanda doses altas de responsabilidade consigo e com a sociedade, alguma coisa você vai perder.

Na verdade as drogas sempre cobram seu preço. Seja numa ressaca no dia seguinte ou a própria vida. Escalonar esse preço é muito individual, mas no geral, o preço é alto. Seja com o desgaste do corpo, dos neurônios, das doenças adquiridas em comorbidade (quem veem juntas, que aconteceram por causa da drogadição) ou a perda da liberdade.

Prometi à família (nuclear) que não voltaria a usar cocaína e que tomaria meus remédios da forma correta, inclusive não passando das 23h acordada (o que eu já não sabia o que era há uns dois anos). Eu prometi para mim também. E prometi com toda força do meu coração. Daquele episódio em diante, estava comprometida com minha saúde, tendo em vista que já tratava de depressão havia anos e sempre tomava remédios.

Só que os dias se passaram, recuperei minha energia física e a vontade de cheirar voltou. Fraca. Mas voltou. Eu pensei rapidamente em tudo que tinha ocorrido naquele mês, no sufoco que passara, no susto que ainda me causava frio na barriga, mas larguei todos esses pensamentos de cautela de lado e fui me esbaldar. Usei o pó branco.

Novamente estávamos lá: eu, o canudo e a carreira.

Mas aquela Ana tinha uma diferença para a de antes do hospital. Aquela Ana sabia, mesmo que no fundo, que já estava envolvida por demais, que não havia volta sem sacrifício. E assim resolvi abrir o jogo de vez. Pedi ajuda e mandei a situação real.

Eu estava viciada em cocaína.



Foi o início da perda – uma das mais valiosas para o indivíduo – de uma capacidade ou direito chamado “autonomia”. Naquele momento eu não sabia, na verdade nem suspeitava, o quanto aquelas atitudes impensadas com resultados desastrosos iriam me custar.

escritos do próximo post:
Eles não receberam a confirmação, delatada por mim mesma, de que eu era viciada em cocaína como uma terceira guerra mundial (pelo menos não deixaram transparecer para mim), me acolheram, mas uma providência rápida teria de ser tomada...

Nesse momento eu já havia perdido peso e, segundo uma pessoa da família, minha cor era amarela. Eu sentia que estava mais fraca, mas... nunca menosprezem um adicto, eu me alimentava com um shake  hipercalórico, soro caseiro e muita água...


Minha impressão do Narcóticos Anônimos em minha primeira reunião...

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Quando a família entra no jogo – Parte II


Olá!!!

Esse post tem uma primeira parte que você pode acessar em https://convivendocomadependenciaquimica.blogspot.com.br/2017/10/quando-familia-entra-no-jogo.html . (Prometo que vou relembrar como usar linguagem HTML para facilitar a nossa vida com os links...rsrs).

Eu estava há dias em uso de cocaína e tomei uma dose muito alta do antidepressivo que usava para tratar a depressão (Sim! Quando o usuário encontra-se num período crítico da drogadição – rasamente explicando, seria adição de substâncias psicoativas à vida – muito utilizado no meio acadêmico - misturamos drogas lícitas e ilícitas, remédios psiquiátricos, analgésicos, hormônios e tantas outras substâncias das mais variadas inconsequentemente.).

 Não tomei consciente. Com a cabeça “maluca”, peguei uma caixa nova do medicamento, pois a outra acabara (só que a dosagem dessa caixa nova era seis vezes maior que a outra) e nem sequer me dei o trabalho de observar os miligramas. Apenas abri e tomei.

E foi assim que achei que iria morrer.

Meu namorado e minha irmã me socorreram a tempo. Fui levada ao pronto socorro e passei pela triagem como alguém que tomou remédios em excesso. Por sorte, meu namorado conhecia o médico de plantão e pediu a ele que agilizasse meu atendimento.

Nós três entre as cortinas do P.S., o namorado narrando que eu fazia tratamento para depressão e tomei muito remédio e tals... O Dr. já pedia uma lavagem estomacal quando o interrompi, pedi que ficássemos a sós. Muito a contra gosto meu companheiro nos deixou.

Foi então que contei a verdade.

Pela dosagem de medicação que havia tomado somada às três carreiras de pó que havia cheirado, o plantonista optou por fazer um eletrocardiograma, monitorar meus batimentos cardíacos e o nível de oxigênio no sangue. Estava tudo normal com meu corpo.

Mas havia uma pergunta que não queria calar em minha alma: havia eu tido uma OVERDOSE?

Enquanto estava sendo monitorada, vomitava sangue, urinei e defequei na calça. Fui tratada com hostilidade pela equipe de enfermagem que não perdia a oportunidade de lembrar que eu estava drogada, que eu merecia passar por aquilo. Fiquei horas com um cheiro horrível sem conseguir fazer nada por mim.

Quando o médico veio me ver, perguntei de imediato: -Eu tive uma overdose? (Caraca! Overdose era coisa de drogado, de marginal, de gente suja, de pessoas doentes, sem dentes, magras a pele e osso, pés rachados... não para mim... Será?”).

Para minha tranquilidade, fui diagnosticada com intoxicação medicamentosa. Mas aquilo não seria um episódio corriqueiro.


Minha irmã achou a droga que havia escondido e aí... aí a conversa tornou-se outra.



Enquanto estava sendo monitorada, vomitava sangue, urinei e defequei na calça. Fui tratada com hostilidade pela equipe de enfermagem que não perdia a oportunidade de lembrar que eu estava drogada, que eu merecia passar por aquilo. Fiquei horas com um cheiro horrível sem conseguir fazer nada por mim.