Pois bem...eu não sei, querido amigo, te falar qual foi o
dia em que a droga deixou de ser uma diversão, um lugar de abstração da
realidade, para ser uma necessidade física e emocional. Na verdade essa
resposta não existe para ninguém. O uso de substâncias é tão perigoso que você
nunca vai saber a hora que você é fisgado.
A linha divisória entre o uso e o vício é tênue e sinuosa.
Alguns usarão a vida inteira sem nunca viciar. Outros não têm a mesma sorte. A
droga entra na vida e pimba! Preenche aquilo que estava faltando, liga-se a
neurotransmissores já predispostos pela genética no indivíduo e aí...aí...meu
caro...já era...
Mas com toda essa nuvem, podemos nos estudar (e digo a você,
o autoconhecimento é essencial para uma vida de paz). Fazendo um retrospecto da
minha história com a cocaína, consigo enxergar o momento ideal para que ela
passasse a ser necessidade em minha vida.
Era o início do quarto semestre de 2015. Uma tia de segundo
grau que sempre fora uma mãe para mim sofreu um AVC.
Era um domingo.
Na semana anterior ela estava ótima! Havia trazido duas mudas, uma de
comigo ninguém pode e outra de espada de São Jorge para mim, pois havia pedido
a ela, mão muito boa para plantar, que me ajudasse na confecção de uma vasinho
sete ervas (aqueles que alguns acreditam espantar mau olhado e coisas
negativas) o qual iríamos completar com as outras mudas que ela traria depois.
Mas naquele domingo ela foi encontrada caída em seu quarto.
Quando recebi a
notícia meu mundo caiu, mas juntei forças para ligar para seu filho, meu primo
de segundo grau (um irmão) e perguntar o que eu poderia fazer para ajudar e que
já estava pronta para ir para o hospital.
E fui...
Consegui conversar com ela, que estava com a boca torta. Dei
em sua boca a última refeição que tomara via oral ainda viva e, em cada
colherada, lembrava-me de todas as mamadeiras, comidinhas, lanchinhos que ela
havia feito e me alimentado por toda essa vida.
Na segunda-feira ela foi para a UTI e minha dor não cabia
mais em mim.
Pelo whatsapp, um médico amigo meu (falo amigo porque não
sou hipócrita, ele não quis me ferrar, ele me passou o jeito dele de lidar com
a vida), perguntou como eu estava, pois ele sabia da situação de minha tia.
Respondi que não aguentava a angústia e o cansaço físico de não conseguir
dormir. Ele, então, sugeriu que eu cheirasse cocaína “porque anestesiaria meu
corpo e mina alma”.
Foi a primeira vez que o pó entrou dentro da minha casa.
Ele mandou; três doses, três gramas (o que era muito para
mim). Ligou para um aviãozinho que levou a droga discretamente até minha porta.
Não houve diálogo. Apareci no portão, ele com um cigarro numa mão, com a outra
me estendeu, eu peguei os três pacotinhos da farinha branca, ele se virou e foi
embora.
-Chegou? Perguntou o amigo médico por mensagem. –Chegou,
respondi na mesma hora.
Abri, fiz três carreiras pequenas e cherei as três. Foi como
uma injeção de amor na veia. A angústia passou, o corpo tomou-se cheio de energia e,
dali em diante, só parei de cheirar após enterrar minha tia (cinco dias depois
do AVC).
Cherei porque não dei conta da dor de perdê-la, cherei
porque quis ficar acordada e pronta a atendê-la a qualquer momento que ela ou
meu primo precisassem, cherei porque virei uma “super mulher”, sem fome, sem
cansaço, sem angústia. Cherei quando recebi a notícia que os aparelhos seriam
desligados, cherei durante todo velório, cherei...
E então não quis deixar de ser a “super mulher”...cherei....e
quanto mais cheirava, mais queria.
Estava instalada a compulsão. O que leva qualquer usuário de
drogas a não conseguir parar; e cometer atos inimagináveis para conseguir sua
droga.
Daqueles dias em diante, passei a pedir e usar em casa, por
dias seguidos. Parava quando o corpo não aguentava mais e dormia para acordar
com o celular já na mão para pedir mais.
E então não quis deixar de ser a “super mulher”...cherei....e quanto mais cheirava, mais queria.
Estava instalada a compulsão. O que leva qualquer usuário de drogas a não conseguir parar; e cometer atos inimagináveis para conseguir sua droga.
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