Minha irmã foi fazer uma arrumação em meu quarto para que
estivesse limpinho para me receber quando chegasse do hospital. Ao trocar a
roupa de cama achou um dos dois papelotes que dei conta de esconder – sabe-se
lá como, em meio àquela situação (ver https://convivendocomadependenciaquimica.blogspot.com.br/2017/10/quando-familia-entra-no-jogo.html)
na fronha de um travesseiro.
Ela não procurava nada, mas ela achou.
Sua conversa comigo foi curta e grossa, ainda no hospital: -Você
é adulta e sabe o que faz. Eu não sabia onde enfiava a cara de vergonha.
Certamente, outros membros da família já sabiam do ocorrido, àquela altura.
Cheguei
em casa ainda muito nauseada, tonta e fraca. Ela estabeleceu algumas regras as
quais deveria obedecer dali em diante: meus medicamentos não ficariam mais
comigo, ela (ou a empregada, ou meu namorado) se responsabilizariam em me dar
os remédios e eu sairia de casa apenas acompanhada.
Foi o início da perda – uma das mais valiosas para o indivíduo – de uma
capacidade ou direito chamado “autonomia”. Naquele momento eu não sabia, na
verdade nem suspeitava, o quanto aquelas atitudes impensadas com resultados
desastrosos iriam me custar.
Cocaína, remédios e bebidas alcoólicas eram um problema em
minha vida. Eu tinha que reconhecer. E se você não dá conta de manter a “sanidade”,
que demanda doses altas de responsabilidade consigo e com a sociedade, alguma
coisa você vai perder.
Na verdade as drogas sempre cobram seu preço. Seja numa
ressaca no dia seguinte ou a própria vida. Escalonar esse preço é muito individual,
mas no geral, o preço é alto. Seja com o desgaste do corpo, dos neurônios, das
doenças adquiridas em comorbidade (quem veem juntas, que aconteceram por causa
da drogadição) ou a perda da liberdade.
Prometi à família (nuclear) que não voltaria a usar cocaína
e que tomaria meus remédios da forma correta, inclusive não passando das 23h
acordada (o que eu já não sabia o que era há uns dois anos). Eu prometi para
mim também. E prometi com toda força do meu coração. Daquele episódio em
diante, estava comprometida com minha saúde, tendo em vista que já tratava de
depressão havia anos e sempre tomava remédios.
Só que os dias se passaram, recuperei minha energia física e
a vontade de cheirar voltou. Fraca. Mas voltou. Eu pensei rapidamente em tudo
que tinha ocorrido naquele mês, no sufoco que passara, no susto que ainda me
causava frio na barriga, mas larguei todos esses pensamentos de cautela de lado
e fui me esbaldar. Usei o pó branco.
Novamente estávamos lá: eu, o canudo e a carreira.
Mas aquela Ana tinha uma diferença para a de antes do
hospital. Aquela Ana sabia, mesmo que no fundo, que já estava envolvida por
demais, que não havia volta sem sacrifício. E assim resolvi abrir o jogo de
vez. Pedi ajuda e mandei a situação real.
Eu estava viciada em cocaína.
Foi o início da perda – uma das mais valiosas para o indivíduo – de uma capacidade ou direito chamado “autonomia”. Naquele momento eu não sabia, na verdade nem suspeitava, o quanto aquelas atitudes impensadas com resultados desastrosos iriam me custar.
escritos do próximo post:
Eles não receberam a confirmação, delatada por mim mesma, de
que eu era viciada em cocaína como uma terceira guerra mundial (pelo menos não
deixaram transparecer para mim), me acolheram, mas uma providência rápida teria
de ser tomada...
Nesse momento eu já havia perdido peso e, segundo uma pessoa
da família, minha cor era amarela. Eu sentia que estava mais fraca, mas...
nunca menosprezem um adicto, eu me alimentava com um shake hipercalórico, soro caseiro e muita água...
Minha impressão do Narcóticos Anônimos em minha primeira
reunião...